quarta-feira, 10 de junho de 2015

Vejam este cordel de Patativa do Assaré

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença, Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
— Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

Deste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lesma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assarénasceu numa pequena propriedade rural de seus pais em Serra de Santana, município de Assaré, no sul do Ceará, em 05-03-1909. Filho mais velho entre os cinco irmãos, começou a vida trabalhando na enxada. O fato de ter passado somente seis meses na escola não impediu que sua veia poética florescesse e o transformasse em um inspirado cantor de sua região, de sua vida e da vida de sua gente. Em reconhecimento a seu trabalho, que é admirado internacionalmente, foi agraciado, no Brasil, com o título de doutor "honoris causa" por universidades locais. Casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Sua memória está preservada no centro da cidade de Assaré, num sobradão do século XIX que abriga o Memorial Patativa do Assaré. Em seu livro Cante lá que eu canto cá, Patativa afirma que o sertão enfrenta a fome, a dor e a miséria, e que "para ser poeta de vera é preciso ter sofrimento".

O poeta faleceu no dia 08/07/2002, aos 93 anos.

O texto acima foi extraído de livreto de cordel de mesmo título, sem dados para identificação.



terça-feira, 31 de março de 2015

Queridos alunos do 9º Ano, vejam as orientações para criarem o cordel com o paradidático. Arrasem!!!
O CORDEL PASSO A PASSO   Por Arievaldo Viana
Em nosso livro Acorda Cordel na Sala de Aula, o repentista e poeta de bancada cearense Zé Maria de Fortaleza explica detalhadamente as principais técnicas do cordel: RIMA, MÉTRICA E ORAÇÃO. Esses serão os critérios de avaliação dos cordéis produzidos em nosso trabalho.
Rima é a correspondência dos sons finais em palavras diferentes. Ajuda a manter a sonoridade em construções poéticas.
Ex.: Brasil / mil; flor / amor...
Métrica é a medida das sílabas de cada verso, em determinado gênero de estrofe.
Obs.: a sílaba poética é contada até a última sílaba tônica do verso.
Ex.: no verso de 7 sílabas “A-se-le-ção-bra-si-lei (ra).”
                                        1   2  3   4    5   6  7
Oração é a coerência, encadeamento, coordenação, precisão, objetividade e fidelidade ao tema. É a capacidade de não se perder ao contar uma história ou falar sobre um assunto.
Ex.: “Eu gosto muito da vida / A vida me dá prazer / E quem não gosta da vida / Não adianta viver.”

A literatura de Cordel possui muitas formas de construção poética. Isso é, os versos podem ser construídos de várias formas. A principal é a sextilha, que vamos explicar logo abaixo.

A diferença entre Verso e Estrofe
  • Verso é cada uma das linhas de um poema. É a unidade rítmica da composição poética. Na literatura de cordel é comum usar dois tipos de verso:
REDONDILHA MENOR (pentassílabo) é o verso de 5 sílabas poéticas.
Ex: “Virgem dos Remédios...”
REDONDILHA MAIOR (heptassílabo) é o verso de 7 sílabas.
Ex.: “Minha terra tem palmeiras...”
  • Estrofe é um grupo de versos de um trabalho poético, em geral com sentido completo.
Glosa ou Décima é uma dissertação poética que obedece à versificação de um assunto. É composta de 10 versos em heptassílabos ou decassílabos, com rimas alternadas ou opostas, que decorrem restritamente dentro do assunto a que se refere o mote sugerido.

Um estudo da Sextilha, principal modalidade do Cordel
Sextilha é uma estrofe de 6 versos, geralmente dispostos da seguinte maneira em nosso cordel tradicional: são rimados entre si os versos pares. Ou seja, sempre rimamos o segundo com o quarto e com o sexto, enquanto que o primeiro, o terceiro e o quinto são livres, podendo ou não ser rimados.

Para ver como funciona a sextilha, nós vamos atribuir uma letra diferente para cada verso que acabar de uma forma. Os versos que rimam (que acabam da mesma forma) recebem letras iguais. Assim, conseguimos mapear a estrutura de rimas de um texto poético. Na sextilha, existem duas formas de organização:
XA/XA/XA: Além dos versos pares (2, 4 e 6) rimarem entre si, os versos ímpares (1, 3 e 5) também rimam entre si, como no exemplo abaixo:
X – Os nossos antepassados
A – Eram muito prevenidos
X – diziam: — Mato tem olhos
A – E paredes têm ouvidos
X – Os crimes são descobertos
A – Por mais que sejam escondidos.
AB/CB/DB: Somente os versos pares (2, 4 e 6) rimam. Vejamos o exemplo abaixo, que explica, em forma de cordel, o que é uma sextilha. Atenção para a forma como as rimas são feitas!
(A) A Sextilha é uma estrofe
(B) Que mostra, no seu contexto,
(C) Seis versos de sete sílabas
(B) E apresenta o seu texto
(D) Rimando o segundo verso
(B) Com o quarto e com o sexto.
Na construção da Sextilha
Os versos ímpares, que são:
Primeiro, terceiro e quinto,
Desses, a sua função
É dar seqüência ao assunto
Também chamado Oração.
E a contagem silábica
Não poderia faltar:
É dela que vem a métrica,
Tem que saber separar;
Sem a cadência das sílabas
Não dá pra metrificar.
Tem mais: a sílaba poética
Vem de modo especial:
No verso, ela se difere
Da sílaba gramatical,
Pois a última sílaba tônica
É, do seu verso, o final.
As regras dos versos
Já vimos que a estrofe é um conjunto de versos também chamada estância. Já sílaba é a célula da palavra. Gramaticalmente, é um som ou grupo de sons pronunciados de uma só vez. A sílaba poética difere da sílaba gramatical: na frase “O cantador é uma ave”, existem 9 sílabas gramaticais e apenas 7 poéticas.
Divisão gramatical:                            Divisão poética:
“O-can-ta-dor-é-u-ma-a-ve”                “O-can-ta-dor-é-u-maa-ve”
  1   2  3   4   5 6  7   8   9                   1   2   3   4  5 6   7
A sétima sílaba da contagem poética é formada pelas sílabas 7 e 8 da divisão gramatical. No verso, a contagem das sílabas tem características singulares. Três regras práticas são recomendadas:
1.a) A sílaba final átona terminada em vogal e a inicial da palavra seguinte, começada também em vogal, formam uma só sílaba.
Ex.: “Querida infância” divide-se “Que-ri-dain-fân-cia”; “Minha amiga” divide-se “Mi-nhaa-mi-ga”.
2.a) Se a vogal da sílaba final é tônica, não ocorre a elisão.
Ex.: “Má ocasião” divide-se “Má-o-ca-si-ão”.
3.a) Na última palavra de cada verso não se contam as sílabas seguintes à tônica.
Ex.: “árvore” divide-se “ár-vo-re”. Conta-se apenas até a primeira sílaba (ar), desprezando-se as demais.

Obs.: O tamanho do livrinho geralmente tem 11cm x 15cm. Mas você pode confeccioná-lo dobrando ao meio a folha A4.
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